sexta-feira, 28 de maio de 2010

Cadê o livro?

Maria Betânia Monteiro - repórter

O inquérito civil instaurado pelo Ministério Público, publicado na terça-feira no Diário Oficial, apesar de curioso, serve de alerta para uma situação corriqueira em bibliotecas públicas do Estado: a posse indevida do patrimônio público, ou seja, o furto do livro. O inquérito citado tratava da investigação de um livro pertencente ao acervo da Biblioteca Estadual Câmara Cascudo, que não havia sido localizado por um usuário. O motivo do desaparecimento da obra, cadastrada sob o nº 973.917 (Roosevelt, Franklin Delano, presidente dos Estados Unidos, 1882-1945), ainda está sendo investigado, mas a bibliotecária Maria de Fátima adianta a hipótese de ter sido tomado de empréstimo e ainda não devolvido.

Rodrigo Sena
Na Biblioteca Câmara Cascudo há furto de livro e não devolução de obras emprestadasA denúncia foi feita por um frequentador assíduo da Biblioteca Câmara Cascudo. A lei que respalda a denúncia dele, segundo o promotor substituto do Patrimônio Público da comarca de Natal, Giovanni Rosado Diógenes Paiva, é a de número 8.429/92 (como publicado no Diário Oficial do Estado em 25 de maio). A lei dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. A utilização da lei leva a entender que o que está sendo investigado é a possibilidade dos funcionários da biblioteca terem se apropriado indevidamente do patrimônio público.

O assessor de imprensa do Ministério Público em Natal informou que o promotor não estava fazendo acusações neste momento e sim abrindo um processo de investigação. Na publicação oficial, o promotor notificava o representante da biblioteca, no caso o coordenador Márcio Rodrigues Farias, para apresentar a relação dos demais livros cujo desaparecimento foi por ele identificado. O prazo para que a notificação seja cumprida é de 10 dias.

O VIVER tentou falar com Márcio, mas ele estava na cidade de Carnaubais, interior do estado, para fazer uma palestra. O seu telefone estava desligado. A funcionária Maria de Fátima estava na Biblioteca Câmara Cascudo e falou sobre o inquérito civil.

Com relação à denúncia feita pelo usuário, a bibliotecária disse que era algo inédito na história da biblioteca. Ela lembra bem do dia em que “o senhor, que é um usuário antigo da biblioteca ameaçou denunciar o desaparecimento do livro”. Segundo Maria de Fátima, o senhor tem dificuldades de relacionamento, tanto que a Câmara Cascudo precisou conceder a ele uma série de regalias, para evitar que ele continuasse xingando os funcionários sempre que eles não atendessem às suas necessidades. “Colocamos à disposição uma prateleira com livros só para ele”, disse Maria de Fátima. As exigências exageradas de um usuário são fatos isolados.

A regra mesmo é que centenas de livros são levados diariamente em bibliotecas públicas de todo o Brasil, de forma ilegal ou mesmo em empréstimos nunca devolvidos. E isso acontece todos os dias.

Maria de Fátima disse que existe uma defasagem de funcionários e que por isso não é possível realizar um levantamento mensal, ou anual dos livros que fazem parte do acervo, mas que estão fora da biblioteca. Além disso, ela falou que, apesar da segurança instalada na Câmara Cascudo, o risco dos livros serem roubados continua existindo. Na biblioteca existem dois guardas patrimoniais e funcionários na recepção, que não permitem a entrada de bolsas, pastas e outros utensílios volumosos.

Segundo a bibliotecária, o delito não acontece com frequência. O principal problema é a falta de punição com amparo legal, para usuários que não devolvem os livros tomados de empréstimos. A única repressão, no caso da Câmara Cascudo, é a inviabilização de novos empréstimos.

A Presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia, Nêmora Rodrigues disse que desconhece a existência de uma lei, obrigando os usuários a devolverem os livros emprestados.
A regra geral em bibliotecas públicas é que a realização de cadastros seja feita mediante a apresentação do RG, do CPF e do comprovante de residência. Mas os dados não têm utilidade, a não ser o de comprovar a existência do usuário. No caso da Biblioteca Câmara Cascudo, até o endereço perde a finalidade, já que os chamados cobradores, não estão à disposição da biblioteca. Seriam eles, os responsáveis para ir até a casa dos usuários resgatarem os livros. O que também não garantiria a reintegração do bem, já que as pessoas têm o livre direito de ir e vir e de mudar de endereço também.

Bibliotecas não têm como punir

Na Biblioteca Escolar Pública Professor Américo Oliveira Costa, localizada na zona norte de Natal, o furto de livros acontece constantemente. Segundo o coordenador da biblioteca, Márcio Lemos, a freqüência dos furtos tem sido cada vez menor pela baixa visitação, mas não o impede de dizer que o fato é um problema real. O coordenador fala que todas as medidas para coibir o furto foram tomadas, como a permanência de seguranças e sistema de conferência de material que entra e sai da biblioteca. Segundo Márcio Lemos, o desfalque só não é maior porque os livros só podem ser consultados internamente. A biblioteca tem cerca de 40 mil livros, entre didáticos e para-didáticos, que auxiliam os estudantes.

Já a biblioteca central da UFRN, a Zila Mamede, a realidade é bem diferente, justamente por haver um sistema de integração entre a biblioteca e a universidade que aprisiona o usuário. Se um usuário pega livros emprestados e não devolve, ele também não cola grau. Para adquirir o diploma universitário é preciso solicitar um nada consta da BCZN, que identifica a existência de pendências. Além disso, segundo a diretora da BCZN Ana Cristina Cavalcanti, a biblioteca oferece uma série de serviços que, se não impede a apropriação indevida, pelo menos inibe. A renovação de empréstimo de livros pela internet e pelo celular é um destes serviços.

Quanto ao furto de livros, a BCZN se resguarda com câmeras de vídeo, funcionários atentos e um sistema que detecta etiquetas magnetizadas afixadas no acervo da biblioteca. O sistema é semelhante ao que se encontra em lojas. E mesmo com todo o aparato, o furto não é evitado. “A apropriação indevida dos livros da BZCN é um delito grave. A investigação e a punição são feitas pela Polícia Federal”, disse Ana Cristina.
Publicado originalmente no Jornal Tribuna do Norte em 28/05/2010
http://tribunadonorte.com.br/noticia/cade-o-livro/149577

0 comentários: