quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Um livro para cada ocasião

Sei que o post é longo, sei que para os padrões da Internet já é um pouco velho, mas é delicioso e vale a pena ler.

"Durante o tempo que passou no cárcere, Oscar Wilde pediu para ler "A ilha do tesouro", de Stevenson. Já Alexandre, o Grande, levou com ele em suas batalhas um exemplar de "A Ilíada", de Homero. Por que em certos momentos de nossa vida escolhemos a companhia de um livro mais que a de outro?

Em 2008, duas semanas antes do Natal, soube que teria de ser operado com urgência; na verdade, a urgência era tanta, que não tive tempo de arrumar minha bagagem. Me vi estirado numa sala de hospital, totalmente nu, com mal-estar e inquieto, e um único livro: o que estava lendo naquela manhã, o maravilhoso romance de Cees Nooteboom, Dans les montagnes des Pays-Bas, que terminei horas depois. Passar 14 dias em convalescença sem ter nada para ler me parecia uma tortura insuportável, e quando meu companheiro se propôs a buscar uns livros em minha biblioteca particular e levá-los ao hospital, aproveitei a oportunidade com gratidão. Mas que livros eu queria?

O autor de Eclesiastes e o cantor Pete Seeger nos ensinaram que há ocasião para tudo. Eu acrescentaria, no mesmo sentido, que há um livro para todas as ocasiões. Mas os leitores aprenderam que nem todo livro convém a qualquer ocasião. Tenhamos piedade de quem se vê com um livro ruim num lugar horrível, como o pobre Roald Amundsen, descobridor do Polo Sul, cuja sacola contendo suas obras desapareceu no gelo, de modo que, noite após noite glacial, ele foi obrigado a devorar a única que sobrou: o indigesto “Retrato de sua majestade sagrada em sua solidão e sofrimento”, de John Gauden. Os leitores sabem quais livros ler após fazer amor ou para enfrentar a espera num aeroporto; livros para a mesa do café da manhã e livros para o banheiro; livros para as noites de insônia em casa e para os dias sem sono no hospital. Ninguém, nem mesmo o melhor de todos os leitores, pode realmente explicar por que alguns livros convêm a certas ocasiões e outros não. De maneira indescritível, do mesmo modo que os seres humanos, as ocasiões e os livros, misteriosamente, estão de acordo uns com os outros ou entram em conflito.

Leia mais
Alberto Manguel
é escritor canadense. Última obra publicada é Tous les hommes sont menteurs, Acte Sud, Arles, 2009.

0 comentários: