segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Bibliotecas, periódicos, gravuras, fotomontagens

Por Roney Cytrynowicz da coluna Volta ao mundo em 80 livros - Publishnews 28/01/2013

Duas novas instituições inauguradas na cidade de São Paulo a partir de acervos de instituições/bibliotecas públicas e a abertura de uma exposição reafirmam a importância das bibliotecas, dos seus acervos e do papel como suporte e dimensão essencial da nossa cultura. Os espaços são a Hemeroteca da Biblioteca Mário de Andrade e o Gabinete do Desenho, ambos da prefeitura, e a exposição é “John Heartfield: Fotomontagens”, no Museu Lasar Segall.
A Hemeroteca, localizada em um anexo à Rua Dr. Bráulio Gomes, 125/139, reunirá finalmente o imenso acervo de jornais e revistas, um patrimônio fundamental de pesquisa com centenas de títulos que antes estavam dispersos entre as bibliotecas Mário de Andrade e Prestes Maia – antiga Presidente Kennedy, em Santo Amaro (quem pesquisou ali nos anos 1980 se recorda dos esforços heroicos das duas bibliotecárias que atendiam em um acervo gigantesco que ocupava três andares).
Segundo o site da Secretaria Municipal de Cultura, esta inauguração “permite resgatar as antigas aspirações de Rubens Borba de Moraes, diretor da Biblioteca de 1935 a 1943 e idealizador da seção especial de periódicos e é condição básica para o cumprimento das duas principais missões da Biblioteca: preservação e acesso.”
Outras coleções de periódicos permanecerão no edifício principal da Biblioteca: os títulos correntes continuarão a ser consultados na Sala de Atualidades, os de Artes, na Sala Sergio Milliet e os raros na Sala Paulo Prado (informação sobre acesso aqui). Em sua inauguração, a Hemeroteca abriga a exposição Ridendo castigat mores (com o riso castigam-se os costumes), de imprensa de humor (informações e créditos da exposição em).
O Gabinete do Desenho, em uma linda casa restaurada, a Chácara Lane, localizado na Rua da Consolação 1.024 (próximo à Rua Maria Antônia), expõe parte de um impressionante acervo de obras que têm em comum o papel como suporte e pertence ao Centro Cultural São Paulo. Esta coleção começou a ser formada também na Biblioteca Mário de Andrade quando dirigida por Sergio Milliet.
Segundo Agnaldo Farias, curador, no texto de apresentação da exposição “Da Seção de Arte ao Prêmio Aquisição: a gênese do Gabinete do Desenho”, com obras de Chagall, Segall, Miró, Tarsila do Amaral e dezenas de artistas da coleção municipal: “Diversamente do que faz crer o conjunto da historiografia sobre o tema, o primeiro museu de arte moderna do país ou, ao menos, nossa primeira instituição museológica a se voltar para a arte moderna não foram os Museus de Arte Moderna de São Paulo ou do Rio de Janeiro, criados na passagem de 1948 para 1949, nem mesmo o Museu de Arte de São Paulo – MASP, fundado em 1947. Antes de todos eles, estabelecida em 1945, a primeira instituição voltada à aquisição, conservação, estudo e apresentação de arte moderna foi de Arte da Biblioteca Municipal de São Paulo (hoje Biblioteca Mário de Andrade), assim denominada pelo seu então diretor, o crítico de literatura e artes visuais Sérgio Milliet”. Por ser uma biblioteca, Milliet pivilegiou a aquisição de obras tendo o papel como suporte: desenhos, aquarelas e gravuras em técnicas variadas, incluindo livros ilustrados com gravações originais.
O Gabinete do Desenho, que integra o Museu da Cidade de São Paulo, foi inaugurado com a exposição referida acima e, no andar de cima, a mostra “Desenho esquema esboço bosquejo projeto debuxo ou o desenho como forma de pensamento”, que exibe o desenho como um traço original livre (ou estudado) do pensamento, que manifesta um desejo, ideia, intenção, lembrança, também esboço primeiro de criação da arte, da música, do design, da ciência e assim por diante – uma outra compreensão do desenho que o valoriza como manifestação que passa longe dos cânones tradicionais da arte e do mercado.
É significativo que estes dois espaços recém-inaugurados sejam uma continuidade, retomada, de projetos iniciados nos anos 1930 e 1940 na Biblioteca Municipal Mário de Andrade por dois intelectuais e dirigentes como Rubens Borba de Moraes e Sérgio Milliet, que – assim como Carlos Augusto Calil, o secretário que acaba de encerrar seu mandato de secretário municipal da Cultura iniciado em 2005 – definiram políticas públicas duradouras associadas à biblioteca, à leitura e aos livros.
Neste sentido, a Secretaria da Cultura de São Paulo acaba de colocar no ar o Portal de Acervos Artísticos e Culturais, que disponibiliza cerca 150 mil itens de vários acervos do material histórico da cidade de São Paulo em formato digital e/ou indica os locais onde esse material está disponível.
Por fim, a exposição “John Heartfield: Fotomontagens” no Museu Lasar Segall, no bairro de Vila Mariana, exibe 50 obras do artista realizadas para a revista Arbeiter Ilustrierte Zeitung (Revista Ilustrada do Trabalhador) nos anos 1930, anteriores e posteriores à ascensão ao poder dos nacional-socialistas. O acervo pertence ao Instituto Valenciano de Arte Moderna.
Heartfield (1891-1968) produziu fotomontagens políticas contudentes e cortantemente irônicas de militante oposição ao nazismo; suas críticas nos permitem conhecer a clareza dos temas de oposição e denúncia contra o nazismo e seus cúmplices. Informações sobre o Museu Lasar Segall e visitas (gratuitas) no site.
O papel – dos livros, dos jornais e revistas, das gravuras e desenhos de arte, design, ciência e outros, das fotomontagens impressas – é um suporte que não é apenas um “meio”, mas uma dimensão fundamental da cultura e da história; nele estão impressos ou desenhados séculos de registros de todos os tipos e variadas intenções. É reconfortador saber que neste início de dilúvio digital instituições públicas ou apoiadas pelo poder público estejam remando na contracorrente e garantindo arcas de preservação do nosso patrimônio cultural em papel – com os devidos portais e cópias digitais que garantem outros acessos e circulações.

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História (www.narrativaum.com.br) e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.A coluna Volta ao mundo em 80 livros, publicada quinzenalmente - sempre às sextas-feiras –, conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

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