segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Templo do livro, modelo em xeque

Fonte: O Estado de São Paulo, 23/fev/2013

A atual fase da era digital, marcada pela expansão do mercado de e-books, vem acentuando o debate sobre o destino das bibliotecas tradicionais - e o seu incontornável impacto na formação de leitores
22 de fevereiro de 2013 | 22h 50

Maria Fernanda Rodrigues
Bibliotecários do Reino Unido ficaram em polvorosa com uma recente declaração do escritor inglês Terry Deary. Autor de obras infantis e juvenis, publicadas inclusive no Brasil, ele disse: "As bibliotecas tiveram seu momento. Elas são uma ideia vitoriana e estamos na era digital. Ou mudam e se adaptam ou deverão ser fechadas. Muito da chiadeira atual é sentimentalismo". A realidade de seu país em crise, onde as bibliotecas sofrem com corte de verba e encerramento de atividades e brigam com editoras pela questão do empréstimo de e-books, é bem diferente da brasileira.

Márcio Fernandes/AE
Frequentadores da Biblioteca de São Paulo leem no papel e na tela de um e-reader
Aqui, a briga é para zerar o déficit de bibliotecas. De acordo com o Censo Nacional de Bibliotecas Municipais, de 2010, 20% das cidades não contam sequer com uma sala de leitura. O dado é ainda mais preocupante nas escolas públicas. O Censo Escolar mostrou que 72,5% ficam devendo esse espaço para seus alunos - existe uma lei que determina que até 2020 essa questão seja resolvida. Outro desafio é a conquista de novos leitores. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 75% dos brasileiros jamais pisaram numa biblioteca. O mesmo levantamento mostrou que 20% dos entrevistados frequentariam uma, se houvesse livros novos. Mas nada convenceria 33% a fazer isso.
"A biblioteca não é um organismo à parte na constituição de uma sociedade: a biblioteca é reflexo dela e responde a ela. Por isso é que temos tão poucas bibliotecas no Brasil", comenta Maria Antonieta Cunha, especialista no assunto e desde 2012 à frente da Diretoria do Livro, Leitura e Literatura, órgão subordinado à Fundação Biblioteca Nacional. Mas o Brasil é, claro, um país grande e desigual, e também no que diz respeito ao acesso a livros vive, simultaneamente, passado, presente e futuro. Enquanto uns correm para resolver essas questões básicas e urgentes, outros veem o momento em que será possível emprestar um livro digital de uma biblioteca e lê-lo no e-reader, tablet ou celular.


Isso ainda está distante das bibliotecas de obras gerais - algumas oferecerem livros em domínio público para download, mas isso é simples. É, porém, realidade para estudantes da FMU (SP), Universidade de Passo Fundo (RS) e Cândido Mendes (RJ), entre outras, que usam o serviço da Minha Biblioteca, uma plataforma criada por editoras concorrentes, mas que se uniram para desbravar esse mundo novo.

Participam do consórcio quatro das cinco maiores do segmento CTP (Científico, Técnico e Profissional): Saraiva, Atlas, Grupo A e Grupo Gen. São 4 mil títulos e 2 modelos de negócios. No primeiro, a instituição de ensino paga à Minha Biblioteca um valor mensal por aluno para que eles possam ler, quando quiserem e ao mesmo tempo, todos os títulos do acervo. No segundo, disponível a partir de abril, a universidade escolhe quais títulos e quantos exemplares deseja adquirir. Se optar por cinco exemplares de determinado e-book, por exemplo, apenas cinco alunos poderão emprestá-lo simultaneamente, tal qual acontece com o livro físico.

Quando foi criada, há 18 meses, a Minha Biblioteca já tinha concorrente: a Biblioteca Virtual Universitária, do grupo Pearson que agora conta com a parceria da Artmed, Manole, Contexto, IBPEX, Papirus, Casa do Psicólogo, Ática e Scipione. Lá, são 1.400 títulos. A Companhia das Letras, que pertence ao grupo Pearson, também está no projeto. Mas não oferece seus títulos, e sim obras em domínio público.

O impasse é que, fechando com a Minha Biblioteca ou com a Biblioteca Virtual Universitária, seus estudantes só terão acesso aos livros das editoras participantes, restringindo o uso de uma bibliografia completa e diversificada. Ideal seria que as instituições tivessem as próprias plataformas e unificassem os catálogos das editoras. Mas elas se ocupam hoje de preparar seus e-books para difundir a produção de pesquisadores e alunos. Quem quiser lê-los, basta fazer o download e já ganha o arquivo. Ou seja, uma operação um pouco diversa do empréstimo de um livro. O modelo é incipiente, mas os números da editora Unesp são animadores. Desde março de 2010, quando criou o selo digital Cultura Acadêmica, já publicou 137 títulos exclusivamente em formato digital e registrou mais de 299 mil downloads. Enquanto isso, nos Estados Unidos, Robert Darnton, diretor da Biblioteca de Harvard, e sua equipe acertam os últimos detalhes da inauguração, em abril, da gigante Biblioteca Pública Digital Americana.

De volta ao Brasil, há ainda universidades e escolas que dão tablets aos alunos - caso da Estácio de Sá. A parceria para conteúdo é da Pasta do Professor, projeto criado pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos para coibir as cópias, e que tem a adesão de várias editoras.

A questão da remuneração é apontada por editores como um dos principais entraves para que o empréstimo de e-book para o público em geral tenha seu início no Brasil. Este é um problema que ainda não foi resolvido nos Estados Unidos e Reino Unido. Quando muito usado, o livro físico é substituído por um novo, comprado da editora. A duração de um e-book é indefinida. Por isso, os preços do produto são mais altos. Um lançamento em e-book pode custar às bibliotecas de US$ 65 a US$ 85, pelo menos quatro vezes mais do que as livrarias vendem ao consumidor.

O imbróglio é acompanhado por casas brasileiras de fora do segmento CTP, e editoras - como a Companhia das Letras, Intrínseca, Leya e as que integram a Distribuidora de Livros Digitais (DLD), entre as quais Record e Objetiva - ainda não se mobilizam pela causa. "Não temos planos imediatos para oferecer serviços de empréstimo, mas sabemos que é uma questão de tempo", diz Roberto Feith, presidente da Objetiva e do conselho da DLD. Ele conta, porém, que a distribuidora já levantou modelos operacionais e financeiros de negócio desenvolvido pelas principais editoras globais.

"Existem modelos bastante diferentes entre si, mas ainda não há um consenso ou modelo predominante. Vamos observar essa evolução para, eventualmente, escolher a melhor solução para nosso mercado", diz. Ao seu lado nessa investigação está a Pasta do Professor.

Editoras assistem e esperam, e livrarias se agilizam. "Não podemos falar muito agora, mas certamente está no radar da Cultura oferecer serviços desse porte com a Koko. Estamos estudando", adianta Rodrigo Castro, diretor comercial da Livraria Cultura. É um projeto "para o ano", e deve incluir o aluguel da obra toda ou de capítulos. Com essa iniciativa, a Cultura dá um passo para o futuro ao mesmo tempo em que retorna às suas origens - foi emprestando livros que Eva Herz começou o negócio da família. A Saraiva, que tem o know-how do aluguel de filmes pela internet, também estuda o caso.

Enquanto isso não se realiza, a Nuvem de Livros, criada pela Gol Mobile em 2011, segue como a única biblioteca virtual para leitores que querem acompanhar as novidades literárias. O problema é que ela se restringe a clientes da Vivo ou de alguns outros parceiros da empresa. Para ter acesso a cerca de 7 mil conteúdos - livros representam 80% do acervo -, o assinante paga em média R$ 4,99 por mês. Hoje, são 400 mil usuários, mas Roberto Bahiense, diretor de Relações Institucionais, acredita que até o fim do semestre a biblioteca terá 1 milhão

http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,templo-do-livro-modelo-em-xeque,1000324,0.htm

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