quarta-feira, 2 de março de 2011

Bendito aquele que semeia livros

Wanda Camargo*

Vemos com tristeza que um dos bons programas do governo ameaça naufragar, a proposta generosa, útil e necessária de dotar todos os municípios brasileiros com bibliotecas públicas. A ideia central era a distribuição de kits com mobiliário e um acervo inicial, aos municípios cabendo prover as instalações e pelo menos um funcionário para seu funcionamento.

Das prefeituras que receberam os kits, apenas uma pequena parte implantou de fato suas bibliotecas; os motivos alegados pelas que não o fizeram são principalmente referentes a custos: faltariam imóveis, as despesas com água e energia elétrica seriam muito altas, o pagamento do funcionário pesaria demais, além da inexistência de bibliotecários formados no município.

A falta de profissionais pode ser contornada temporariamente com a ajuda de servidores experientes, enquanto a própria demanda por bibliotecários poderia gerar interesse de jovens estudantes por esta profissão.

As questões de custo dizem muito respeito ao que tem sido chamado nos últimos anos de “vontade política”. Todos nós que administramos um orçamento pequeno ou grande, de uma família ou de um país, sabemos que os recursos nunca são suficientes para todas as necessidades e desejos, o gestor deve ter bom senso e sangue frio para determinar prioridades e cortes. Dentre as prioridades dos municípios estão a Educação, a Saúde, os Transportes; com algum discernimento é possível incluir uma biblioteca pública pequena e simples na rubrica da Educação, talvez reduzindo algum supérfluo em outra área, seria um enorme começo.

Doações de livros são frequentes hoje, não sendo difícil consegui-las de pessoas que, apreciando seus livros e tendo pouco espaço em casa, gostariam de disponibiliza-los, ao mesmo tempo em que os preservam. Para os que os amam, os livros são quase entes vivos. Exalam quando novos o perfume da novidade, velhos algo que remete à primeira vez que foram lidos, são confortadores, bonitos, companheiros.

Vistos de outra forma, livros são, como as inscrições rúnicas, papiros, pergaminhos, códices, que os precederam, meros objetos funcionais. Blocos de papel impresso, gravados com tudo o que vale a pena saber no mundo. Como objetos funcionais, já estão praticamente superados por “tablets”, áudio-books e outros, tornando os computadores recursos valiosos para as bibliotecas hoje, pois representam fontes de consulta, acesso aos grandes acervos de consulta livre, estado da arte de grande parte das pesquisas mundiais.

Neste tempo caberia a questão da relevância de bibliotecas, mas bibliotecas não são depósitos de livros, são centros de conservação, aquisição e propagação de conhecimento. Bibliotecas são locais de pesquisa, ponto de encontro daqueles que reconhecem o estudo como fundamental na vida de qualquer ser humano, e o conhecimento como indispensável à cidadania. Independente da forma, da mídia, da época, o essencial é o conteúdo, e o conteúdo sempre será mais importante que seu continente.

*Wanda Camargo é professora, pesquisadora na área de Educação e integrante da comissão de processo seletivo das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil).
Publicado originalmente http://agoraparana.uol.com.br/index.php/artigos/3225-artigo.html

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