segunda-feira, 14 de junho de 2010

Biblioteca Arthur Vianna amarga o abandono

Leitura entregue às traças na maior biblioteca do Pará

Marcelo da Silva, 38, “repara” carros na travessa Rui Barbosa. Entre um trocado e outro, quando diminuiu o fluxo de veículos, ele atravessa a rua e caminha em direção ao Centur.Alguns lances de escada e pronto – Marcelo se vê em seu lugar preferido para “passar o tempo”, como ele mesmo diz: a gibiteca da Biblioteca Arthur Vianna. “Sempre venho aqui quando não tem muito carro lá fora. Gosto de matar a saudade das revistas antigas. X-Men e Novos Titãs são meus gibis favoritos”, conta.

Fernanda Cybelle, 16, é estudante do segundo ano do Colégio Paes de Carvalho e, curiosamente, comemorava seu aniversário com as amigas, sem bolo nem barulho, em uma das mesas do salão central da biblioteca. “Nós adoramos vir pra cá. Hoje fomos liberadas mais cedo e, como temos um seminário sobre Inglês de Souza, viemos adiantar a pesquisa. A biblioteca da escola não supre a nossa necessidade”.

Marcelo, Fernanda e as cinco amigas compunham um pequeno grupo de leitores que aproveitava o final da manhã da última quinta-feira na centenária biblioteca, que em seus vários ambientes, parecia desabitada. A própria gerente, Ruth Vasconcellos, reconhece: já houve dias (bem) melhores. “Há dez anos o público era bem maior,os números mostram isso”, ela diz, como se a realidade não saltasse aos olhos. “A tecnologia levou o usuário a traçar outro caminho na busca por informação. É claro que há maneiras de trazer leitores, mas fica difícil diante da nossa atual situação. Não é bonito dizer isso, mas nosso acervo está desatualizado, e isso prejudica muito o atendimento, porque se o leitor vem e não encontra o que está procurando, nãovolta mais”, pondera.

Atualização e informatização do acervo, instalação de um telecentro, modernização dos equipamentos e aquisição de maquinário e móveis novos.São muitas as necessidades desta que é a mais importante biblioteca pública de Belém, mas que, do alto de seus 139 anos, parece parada no tempo.

A situação se torna mais grave ainda quando se leva em conta que o Pará é o Estado com maior número de municípios sem bibliotecas: dos 143 municípios, 21 não possuem um local reservado para estudo e pesquisa, segundo pesquisa divulgada em abril pelo Ministério da Cultura. Em Belém, só há duas bibliotecas públicas: a Biblioteca Arthur Vianna e a Biblioteca Municipal Avertano Rocha, na orla de Icoaraci.

FALTA ESTÍMULO

Para Ruth Vasconcellos, faz-se necessária a união de esforços para resgatar a importância da biblioteca como espaço de pesquisa e busca pelo conhecimento. “Hoje o professor pede um trabalho, o aluno vai à internet, copia o que for conveniente, e pronto. O educador deve exigir as referências bibliográficas, um conteúdo consistente. Isso acaba forçando uma pesquisa mais aprofundada e levando o aluno a buscar o ambiente da biblioteca”, defende.

Para a pedagoga Luciana Moura Assad, 28, que dá aulas para turmas de 1ª à 8ª série na escola de ensino fundamental Dr.Carlos Guimarães, no bairro da Marambaia, a biblioteca ainda figura como ferramenta indispensável para o ensino, principalmente em um país onde a pobreza limita o acesso à leitura. “Para as classes mais baixas, comprar livros ainda é uma realidade muito distante. A biblioteca é uma ferramenta indispensável, um suporte para professores e alunos”, diz.

Luciana, que dá aulas pela manhã, reserva as tardes para cuidar da biblioteca recém implantada na instituição onde trabalha. Observando de perto a relação dos alunos com o espaço, ela nota que esse vínculo ainda precisa se fortificar. “Estamos fazendo um trabalho de conscientização, porque ainda não existe o hábito de freqüentar o espaço. Os alunos ainda estão aprendendo valores como o cuidado com o livro, o silêncio no ambiente da biblioteca. Estamos criando estratégias para que eles descubram o prazer da leitura, já que na família, muitas vezes, não existe esse estímulo”.

Espaço público amarga má fase, diz direção

Sem orçamento próprio – já que depende dos recursos da Fundação Cultural Tancredo Neves – a Biblioteca Arthur Vianna amarga uma má fase. O salão geral, que antes dispunha de três seguranças, agora conta com um só guarda. Também foi reduzida a quantidade de câmeras de monitoramento em cada sala: de duas para apenas uma. “São os cortes orçamentários”, diz Ruth Vasconcellos. Depois do decreto 1.618, baixado pela governadora Ana Júlia, em abril de 2009, também foi reduzido o horário de funcionamento do espaço: de 8h às 19h passou a ser de 10h às 18h. “O público reclama desse horário. Os estudantes costumavam vir cedo, pesquisar, agora já não dá mais”.

A seção de obras raras guarda relíquias como ‘Rimas Várias de Luis de Camões’, livro datado de 1689.No entanto, está alocada em um espaço sem temperatura adequada, onde se vê um velho e poeirento ar-condicionado. O setor de microfilmagem, que dispõe de apenas duas máquinas, também precisa ser modernizado.

Segundo os relatórios, a biblioteca registrou a visita de cerca de dez mil usuários no mês de maio, o que corresponde a quase 77 mil obras consultadas.Para Ruth, é um número muito abaixo do esperado, mas é também resultado de muito esforço diante da falta de recursos e de estrutura.

“A gente até fica meio triste. É uma imensidão de livros, e o público não usufrui, não desfruta disso como deveria. Tem gente que mora aqui no entorno e não conhece a biblioteca”, diz a gerente do espaço, com pesar. Na tentativa de reverter esse quadro, ela organiza atividades culturais, esquema de visitas monitoradas com as escolas e atividades lúdicas com agendamento.

“Tudo funciona como atrativo para trazer o público que está lá fora”, ela acredita. E aponta o que seria uma alternativa para a revitalização do espaço: “A criação de uma associação de amigos da biblioteca, com um grupo de pessoas que se unisse para angariar recursos em benefício do espaço, dando um suporte orçamentário. Mas precisamos da mobilização da sociedade civil”, desabafa.

O QUE DIZ A LEI

No último dia 25 de maio,entrou em vigência uma lei que determina que as instituições educacionais públicas e privadas de todos os sistemas de ensino do Brasil deverão ter bibliotecas. As escolas terão um prazo máximo de dez anos para instalarem os acervos de livros,documentos e materiais videográficos.

A determinação prevê um acervo de livros na biblioteca de,no mínimo, um título para cada aluno matriculado, cabendo ao sistema de ensino ampliar este acervo,bem como divulgar orientações de guarda, preservação,organização e funcionamento das bibliotecas escolares. Em abril o Ministério da Cultura revelou que o Pará é o Estado com maior número de municípios sem bibliotecas: dos 143 municípios, 21 não possuem um local reservado para estudo e pesquisa.

Em Belém, só há duas bibliotecas públicas: a Biblioteca Arthur Vianna e a Biblioteca Municipal Avertano Rocha, na orla de Icoaraci.

ACERVO

A biblioteca Arthur Vianna possui cerca de 500 mil volumes e recebe de 9 a 10 mil pessoas por mês, que consultam cerca de 75 mil obras. (Diário do Pará em 14/06/2010)

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