Leia sobre as emoções de Ignacio de Loyola Brandão ao receber o seu "oscar" do CRB8, dia 3 de junho.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
Olhem nos olhos das bibliotecárias
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Marcadores: Ignácio Loyola Brandão, Premio Laura Russo
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Acender o fósforo repetidas vezes
"Ignácio Loyola Brandão - O Estado de S.Paulo
Depois da colisão com Monteiro Lobato, veio a escorregadela do Enem. Esse ministério não aprende que errar uma vez é humano, errar duas é burrice. Vem também o ministro dizer que os critérios para avaliação internacional do ensino brasileiro, abaixo do da Cochinchina, estão errados e que temos um alto nível. De onde será que o ministério olha? Como avalia? O que salva o ensino brasileiro são atitudes isoladas que, felizmente, existem aos borbotões. Tenho andando, sentido e testemunhado. Como esquecer as professoras que fazem da Casa Meio Norte, em Teresinha, um exemplo esplendoroso (palavra boa, sonora) de como ensinar contra todas as adversidades?
Dia desses, estive em Santo André, convidado pela Luciana Tavares, bibliotecária da Escola 221 do Sesi. Foi uma alegria chegar e ser recebido com um tapete vermelho feito de papel pardo com tiras coloridas. Símbolo afetuoso que os alunos montaram atravessando todo o pátio até a biblioteca. Comoveu ver alunos do ensino médio com o meu romance Não Verás País Nenhum - que não é fácil de ler - nas mãos, porque o livro está sendo trabalhado ali. Algum tempo atrás, quem compareceu foi o Rubem Alves, um parceiro meu em viagens deste tipo. Falar do Brasil, da literatura, da educação, abrir cabeças, abrir mundos, iluminar caminhos. Em momentos assim, tanto Rubem como eu fazemos a mala, esquecemos cachês e trabalhamos por amor. Compensa, alegra.
Há por essa imensidão do Brasil, sim, há, centenas de professores e bibliotecários idealistas lutando para realizar alguma coisa contra currículos esquisitos, diretores obsoletos, normas mal formuladas, entraves burocráticos, kafkianos, incompreensões. Porém, eles vão em frente. Comovente ver os alunos da 221 interessados em literatura, apaixonados por um livro que, tendo sido escrito há 30 anos e sendo meu livro mais traduzido, acabou mostrando a realidade que chegou à nossa porta: o aquecimento global, a angústia da falta d"água, as cidades superpovoadas, a violência, os congestionamentos, as doenças indiagnosticáveis, a miséria. Os professores que estão estudando o Não Verás avançam nas propostas, fazem uma análise abrangente, o que se vê é a própria história do Brasil e as consequências de políticas obsoletas.
Quinze dias depois, eu estava em Sorocaba, diante dos alunos do Objetivo que, orientados pela professora Marisa Telo, tinham virado de cabeça para baixo o livro de contos Cadeiras Proibidas. Metáfora do tempo da ditadura que, mais do que nunca, vem sendo adotado e lido por jovens, dado seu tom fantástico, que excita a imaginação. Ora, em lugar de uma palestra, o que se viu? Um concurso de contos. A partir da inspiração do Cadeiras, que mostra como o absurdo não existe, a realidade é mais absurda que ele, os alunos escreveram 67 contos incríveis. Disse a eles que eu assinaria qualquer um deles. Foi feito um volume, Carteiras Proibidas, que será editado como livro normal. Farei o prefácio.
Faço esta crônica para meus leitores normais, mas principalmente para professores, para dar coragem e dizer: tentem, mudem, avancem, acreditem na fantasia e na imaginação dos jovens, incentivem, arranquem o que eles têm dentro pronto a explodir. Eliminar repreensões, barreiras, cerceamentos. Na sequência, em Sorocaba, os alunos me entrevistaram, perguntaram tudo, inclusive passando pela ridícula "proibição" de Monteiro Lobato e pela polêmica que se estabeleceu em torno de meu conto Obscenidades Para Uma Dona de Casa, que está na antologia Os Cem Melhores Contos do Brasil, organizada por Ítalo Moriconi. Disse - como já tinha dito em Santo André, onde o conto encontrou resistência em uma parcela de professores e pais - que é lamentável que mentalidades inquisitoriais ainda subsistam em pleno 2010. O homem já foi à Lua, corações são transplantados, a vida humana vem sendo prolongada, a longevidade é cada dia mais extensa, a pílula anticoncepcional já existe, camisinhas são vendidas na caixa do supermercado, o mundo é globalizado, a internet está aí, o celular, o iPhone, o iPad, o iPod, o twitter, e há gente parada no tempo do ponto de vista da moral. Por que ainda há palavras que incomodam, sendo palavras da linguagem coloquial? Por que muitos pais não dialogam com os filhos para saber o que se passa em matéria de sexualidade? Por que os pais não dialogam com professores e autores? Por que atitudes hipócritas de censura, esta que foi o braço direito da ditadura, a arma de qualquer sistema totalitário de esquerda ou direita?
Nesses momentos me lembro de Érico Veríssimo em Solo de Clarineta, suas memórias: "Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o menos que o escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto."
É bom quando a literatura é dada com liberdade, espontaneidade, amor, sem preconceitos. Assim ela será recebida. É triste quando se faz da literatura, mesmo que poética, falando da solidão, do tédio e da angústia, algo feio, sujo, pecaminoso, condenação ao fogo do inferno. E os prazeres onde ficam? Ainda bem que existem Lucianas e Marisas no Brasil e existem aos montes. Uso sem medo o lugar-comum: por meio delas, homenageio todos os professores e bibliotecários deste País.
Publicado originalmente http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101119/not_imp642080,0.php
Postado por crb8saopaulo às 03:20 2 comentários
Marcadores: bibliotecário, Ignácio Loyola Brandão
sexta-feira, 2 de julho de 2010
O futuro não é tão sombrio
Belo artigo de Ignácio de Loyola Brandão no jornal o Estado de São Paulo desta sexta-feira.
Treminhões imensos, repletos de cana metros acima do permitido, correm à nossa frente, as rodas da direita no acostamento de terra, enchendo nossos olhos de poeira vermelha. A estrada corta canaviais e sinto-me em labirintos dos quais nunca mais vou sair, para onde se olha é verde, verde. Aqui e ali, talhões de terra onde a cana já foi cortada e regados pelo restilo fedorento que ajuda a recuperar a terra para uma nova safra. Torres altíssimas servem às servidoras de celulares e você pode ver caboclões, de mãos calosas, dirigindo o trator e falando ao telefone móvel, como dizem em Portugal. Quem imagina o interior bucólico, desista. Quitandas, empórios, armazéns, cinemas, tudo cedeu lugar aos supermercados e shoppings. E igrejas das mais diferentes religiões. Mas neste novo interior há um processo que me interessa muito, o da revitalização das bibliotecas. Finalmente se está olhando para um dos momentos mais importantes na criação de leitores.
Começam a desaparecer as bibliotecas escuras, colocadas numa saleta no fundo das prefeituras, com acervos mínimos, em geral livros de carregação doados por caridosos locais, administrados por velhos funcionários encostados à espera de aposentadoria. Entra aqui também a ação de bibliotecárias tenazes, resolutas, que com criatividade e zelo mudam tudo ao seu redor. Percorri centenas de quilômetros do interior paulista, conversando em cinco cidades, dentro do projeto Viagem Literária. Em Jaboticabal, o trabalho de Mônica Reino, do Departamento de Cultura, aliada à biblioteca, colocou 600 pessoas na plateia de um antigo cinema restaurado. A biblioteca da cidade, com 42 mil volumes, está instalada em um solar magnífico, conservadíssimo, espaçoso, iluminado, doação de uma fazendeira que adorava livros. Visitava a biblioteca e comentei com uma funcionária a calma. "De manhã é assim, mas à tarde é um fervo." Maravilhoso, há décadas não ouvia o termo. Fervo = agitado, movimentado. Em Descalvado foi comovente, porque Maria Lúcia Izeppi, bibliotecária, e Rosinês Gabrieli, secretária de Cultura e Educação, lotaram o auditório, havia mais de 200 pessoas. Em seguida, ela mudou o velho ritual. Em lugar de um jantar para poucos, ofereceu ? e adorei ? um lanche junino, mesmo porque era época das festas. Refrescos, quentão, cachorro-quente, pé de moleque, broas de milho, bolo de fubá, sanduíches e doces caseiros. O papo mudou do auditório para o meio dos livros. À entrada, fui recebido por Carlos Drummond de Andrade me dizendo versos sobre livros. Era um ator vestido a caráter. Na manhã seguinte, na saída do hotel, esperando o carro, conversava com uma senhora, quando ela viu uma pessoa se aproximar pé ante pé, atravessando a praça. Comentou: "Lá vem ela para ficar curiano. Vendo quem chega e quem vai." Curiano, misto de curiosidade e olhando, já que no interior se elimina o "d": andano, visitano, pesquisano, trabalhano. Não, a linguagem acariocada da Globo não matou certas coisas.
Localizar Cruz das Posses, distrito de Sertãozinho, foi um perereco, como se diz no interior. Perdidos nos canaviais, ansiávamos por uma plaquinha que nos garantisse não estarmos perdidos. Ao mesmo tempo, adorava o sabor de aventura, não mais me reencontrar. A cidade se chamava Santa Cruz das Posses, depois abreviaram. O nome vem de um dos pioneiros, homem de muitas posses. Pequena biblioteca, mas Ana Lucia Trovo, uma bibliotecária alucinada por livros, por fazer, promover, estimular crianças e adultos, criar feiras, eventos. Tudo debaixo dos olhos sonhadores da secretária de Educação e Cultura de Sertãozinho, Maria Dirma Francisco. No meio da tarde, ali estavam jovens, crianças, pessoas de meia-idade e meia dúzia de mulheres de 80 anos, que me ouviram, perguntaram, e saíram pouco antes porque "iam tomar parte em outra atividade". Pensar que meus avôs, tios-avôs, velhas tias ficavam em casa, dormiam cedo e se enfastiavam na modorra no nada acontecer. Bolachas e biscoitos caseiros, quitutes saborosos enchiam as mesas.
Leia o artigo de Ignácio Loyola na integra em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100702/not_imp575060,0.php
Postado por crb8saopaulo às 05:48 0 comentários
Marcadores: Bibliotecas Públicas, Ignácio Loyola Brandão